A epígrafe de Todos os nomes diz muito sobre o romance escrito por José Saramago e publicado em 1997 pela Companhia das Letras. Com exceção de Sr. José, todos os personagens da história não têm seus nomes revelados, os conhecemos apenas por suas funções, atitudes e gestos no decorrer da trama. No momento em que refleti sobre a ausência dos nomes, a única coisa que consegui pensar foi: "e o que mudaria na história se eu soubesse os nomes deles?" 

Os nomes nos limitam. Posso ser chamado de escritor, poeta, jornalista e uma série de outras coisas que não cabem apenas no nome Tony. Meu nome dito para alguém que não me conhece representará algo que não sou ou dará uma representação vaga de minha personalidade. O mesmo serve para os objetos. Livro, por exemplo, é um nome usado para definir todos os livros, mas quando pensamos em livro pensamos numa série de outros significados. Logo, somos muito mais que os nomes que nos dão.

Passada essa introdução, eis um pequeno resumo sobre a trama de Todos os Nomes: Sr. José trabalha como auxiliar de escrita numa Conservatória Geral do Registro Civil e tem como passatempo fazer recortes e juntar arquivos de pessoas famosas. Em um determinado dia, enquanto está nos arquivos da Conservatória à procura de informações para agregar na sua coleção, ele pega por engano um verbete de uma mulher desconhecida. Aquilo o inquieta até o ponto de virar sua vida de cabeça para baixo na procura dessa mulher desconhecida. 

Diferente de As Intermitências da Morte (meu primeiro contato com o autor), onde demorei para engatar na leitura, logo nas primeiras páginas de Todos os nomes me vi envolvido com a escrita de Saramago. A descrição da Conservatória Geral e da figura banal e ao mesmo tempo fascinante do Sr. José me fisgaram e não consegui mais largar o livro.

Todos os nomes é um livro bem melancólico, escuro e até mesmo claustrofóbico. Quase todas as cenas do livro há a ausência de luz e nos cenários principais da história (cemitério, arquivos da conservatória e o quarto do José) há um pequeno espaço para se locomover. Vejo isso como uma metáfora para o próprio Sr. José e sua vida, marcada por solidão e sem alternativas para se mover, para mudar seu cenário. A luz que acende na vida do personagem e abre portas para tudo mudar é sua curiosidade pelo desconhecido, pela mulher desconhecida dona do nome que caiu por acaso em suas mãos. Ver a evolução do Sr. José e toda sua jornada à procura da mulher desconhecida é fascinante. O leitor consegue se afeiçoar ao homem simples e solitário e até mesmo se identificar com ele em diversos momentos. Impossível não rir dos diálogos bem elaborados que o próprio Sr. José inventava na sua cabeça e ficar encantado com as conversas dele com o teto. 

Se aproximando da conclusão da história fui ficando com um sentimento de vazio e tristeza, era como se a jornada do personagem fosse minha e seu fim me proporcionava uma ruptura, como se estivesse perdendo algo precioso junto com o personagem. As últimas páginas, ainda que provoquem um final abrupto, deixam no leitor a sensação de amadurecimento, reflexão e renovação. Ao virar a última página do livro me peguei sorrindo ao imaginar Sr. José continuando suas visitas à Conservatória Geral na calada da noite.

"Provavelmente, quanto maior é a diferença, maior será a igualdade, e quanto maior é a igualdade, maior a diferença será"


Um Comentário

  1. Que interessante ler essa sua análise da obra de Saramago. Tô começando a achar que você vai trocar o jornalismo pela crítica literária, rs. Quem sabe uma pós na área? Vem ser feliz estudando Literatura Comparada!

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